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24/09/2024 às 18h35 - atualizada em 24/09/2024 às 19h14

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Redação

Cotia / SP

Desigualdades raciais no município de Cotia
Victor Gabriel Alcantara
Desigualdades raciais no município de Cotia
Foto: Juliano Barbosa

Não é de se espantar a existência de desigualdades em qualquer município do Brasil, um país que concentra os maiores índices de desigualdades no mundo. Em Cotia não é diferente. A pergunta ideal, portanto, não é se há desigualdades, mas como elas estão pronunciadas na cidade. Este artigo traça uma fotografia das desigualdades étnico-raciais em Cotia, usando os dados domiciliares do Censo Demográfico de 2010, último retrato da demografia municipal antes da divulgação do recenseamento de 2022. Antes, porém, é preciso situar conceitualmente o assunto. 


Para mensurar e discutir as desigualdades, os pesquisadores especialistas recomendam partir da pergunta:  desigualdade de quê? 1. Entre as definições aplicáveis, a mais frequente se refere ao desequilíbrio na distribuição dos recursos, especialmente aqueles que são escassos e centrais na vida social, como a renda (em salário), a riqueza (em capital e propriedades), a escolaridade (em diplomações/níveis) e a profissão/ocupação (em relações contratuais). Esses recursos são referência para a identificação da posição social das pessoas, ou da classe social


Em geral, por renda nos referimos ao salário recebido pelo trabalho principal, por riqueza ao capital acumulado em dinheiro e propriedades, por escolaridade aos anos ou níveis de escolarização formal, e por profissão ao status e ao prestígio mensurados por escalas padronizadas internacionalmente. Seguindo esta definição, podemos entender por desigualdades étnico-raciais quando esses recursos são distribuídos desigualmente entre os grupos socialmente racializados. No Brasil, por exemplo, há profundas desigualdades de gênero e raça/etnia, com a população branca e masculina concentrando muito dos recursos centrais, situando-se em posição de privilégio com relação às mulheres, negras e indígenas. 


O mapa da composição socioeconômica (Figura 1) de Cotia ilustra a distribuição da renda território municipal.  Os setores censitários mais ricos estão situados em regiões mais próximas à capital de São Paulo, como a Granja Viana, ao nordeste da cidade, e os arredores do Centro Municipal de Campismo (CEMUCAM). São esses também os setores que concentram menos pessoas pretas, pardas e indígenas, conforme ilustra o mapa da composição étnico-racial (Figura 2). Por outro lado, os setores mais afastados, como os situados na região rural de Caucaia do Alto e na periferia urbana ao Sul do município, são os que concentram a população mais pobre, preta, parda e indígena. Com isso, os mapas ilustram uma geografia de desigualdades pela associação territorial entre renda e raça-etnia, com os brancos concentrados nos setores que concentram maior renda, e os pretos, pardos e indígenas concentrados nos setores de menor renda.



Figura 1. Composição socioeconômica do município de Cotia 


Fonte: elaborado com os dados do Censo Demográfico de 2010. 


Obs.: Os valores foram atualizados para o real de agosto de 2024, considerando o índice IGP-M  (FGV). 



Figura 2. Composição étnico-racial do município de Cotia 


Fonte: elaborado com os dados do Censo Demográfico de 2010. 


Obs.: PPI é a abreviação para Pretos, Pardos e Indígenas.


Considerando a população em idade de trabalhar (maior que 14 anos), a população branca de Cotia recebia, em média, R$ 5.786,17, enquanto pretos, pardos e indígenas recebiam, em média, R$ 2.709,36; uma distância que representa a forte assimetria em poder aquisitivo. Este hiato observado entre os grupos racializados em Cotia (R$ 3.076,82, equivalente a mais de dois salários-mínimos) é um dos maiores observados no país, colocando a cidade na posição 65º entre os 5.565 municípios brasileiros. 


 



Figura 3. Relação entre renda média municipal e hiato entre Brancos e PPI, Brasil, 2010. 


Fonte: elaborado com os dados do Censo Demográfico de 2010. 


Obs.: PPI é a abreviação para Pretos, Pardos e Indígenas. O hiato foi calculado pela diferença entre a renda média dos Brancos e dos PPI. 


Em termos de escolaridade, considerando a população com mais de 24 anos (idade esperada para a  conclusão de todas as etapas da escolaridade formal), a população branca de Cotia estava mais concentrada  no ensino superior (25,1% contra 6,8% dos PPI), enquanto a população preta, parda e indígena estava mais  concentrada nos níveis fundamentais (67,3% contra 46,3% entre os Brancos). A Figura 4 ilustra as disparidades no acesso às oportunidades educacionais segundo os grupos racializados.



Figura 4. Nível de escolaridade por grupos étnico-raciais 


Fonte: elaborado pelo autor com dados do Censo Demográfico de 2010. 


Obs.: EM = Ensino Médio; ES = Ensino Superior. 


Mesmo quando considerado os diferentes níveis de escolaridade, há desigualdades de renda entre brancos e PPI. Isto é, mesmo quando possuem o mesmo nível de diploma, brancos e PPI’s obtém renda desigual. A Figura 5 mostra que a desigualdade é mais acentuada conforme maior é o nível de diplomação. Entre os que possuem Ensino Superior completo, os brancos recebem em média R$ 13.334,00, enquanto os PPI recebem em média R$ 7.591,00. 



Figura 5. Renda média por nível de escolaridade e grupos étnico-raciais. 


Fonte: elaborado pelo autor com dados do Censo Demográfico de 2010. 


A diferença na renda média dos grupos considerando o nível do diploma obtido indica desigualdades que operam no mercado de trabalho da cidade. Possivelmente, o diploma obtido pelos brancos são mais rentáveis do que os obtidos pela população preta, parda e indígena. Diferença que pode ser explicada pelo valor atribuído à área e instituição de formação, mas também à outras dinâmicas de desigualdades. 


A forte assimetria na distribuição de escolaridade e renda segundo a autoidentificação racial das pessoas anuncia um tipo de desigualdade que ocorre no município. É fundamental que essa realidade e os mecanismos que a (re)produzem sejam identificados e pautados no debate público, servindo de subsídio para a formulação de políticas de intervenção. 


Referências 


1. Arretche, M. Democracia e redução da desigualdade econômica no Brasil: a inclusão dos outsiders. RBCS 33, (2018). 


2. Barbosa, R. J. Texto para Discussão No017/2014: Comparabilidade das informações disponíveis nos Censos (1960-2010) e PNADs (1976, 1985, 1995 e 2005). 1–38 (2014). 


Glossário informativo  


O Censo Demográfico conduzido pelo IBGE é a pesquisa de maior extensão e cobertura produzida no Brasil, oferecendo uma descrição detalhada da população residente em território nacional. Entre as pesquisas demográficas, é a única a produzir microdados (isto é, tendo indivíduos como menor unidade de informação) representativos para a menor unidade territorial, os setores censitários (aglomerados de cerca de 250 a 350 domicílios). Desde 1960, o censo é aplicado a cada dez anos com dois questionários: i) um questionário curto, com informações gerais coletadas de toda a população; ii) um questionário extenso, com informações detalhadas coletadas de uma amostra probabilística de 10% da população (em torno de 25 milhões de pessoas).  A amostragem probabilística é um recurso para coletar informações mais detalhadas que sejam representativas da população, uma vez que é inviável a coleta para o universo populacional (por razões logísticas e econômicas). Sob a justificativa de que o sigilo da informação pode ser violado, o IBGE disponibiliza apenas os microdados da amostra e os dados agregados por setor censitário, e não mais os microdados do universo populacional 2. Além de servir como parâmetro de referência sobre a população, utilizado para a calibragem de outras pesquisas por amostragem probabilística aplicadas em território nacional, o censo é a única pesquisa a levantar informações representativas da demografia dos municípios. Portanto, a única fonte de informação sobre a população de Cotia. Das 201.882 mil pessoas estimadas em Cotia, a amostra probabilística do censo de 2010 cobriu cerca de 19.377 mil.

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Comentários

2 comentários

Dora Tschirner

  ·  Cotia / SP Excelente matéria e relatos, porém,aqui neste País, embora há mais mulheres do que homens, a desigualdade é gritante também entre os 2 sexos, na maioria das empresas, a % de homens é bem maior e principalmente na área administrativa, e em algumas empresas, pode haver número considerável de mulheres mas na área de produção, porém com salários menores wue dis homens e isto 3 um fato importante. Em 25/09/2024 ás 07h41

Cibelle

  ·  Cotia SP Maravilhoso, parabéns pela pesquisa Dados importantíssimos pra nossa cidade Em 24/09/2024 ás 23h08
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