20/01/2022 às 22h09 - atualizada em 25/01/2022 às 18h32
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Redação
Cotia / SP
Na indecisão de se iniciar o ano por literatura nacional ou estrangeira, vêm à mente um tanto de nomes sugestivos, capazes de unir as duas. E como bem lembrou José Pérez em nota introdutória ao volume de comédias de Terêncio, traduzidas por Leonel da Costa Lusitano, há sempre duas histórias da literatura numa nação: a local e a que comporta as traduções dos clássicos estrangeiros. Para tanto, o nome que me ocorreu foi o do nosso poeta Manoel Bandeira e sua primorosa tradução da tragédia Macbeth, de William Shakespeare.
A trama, passada ora na Escócia ora na Inglaterra, tem como plano de fundo aqueles temas correntes do teatro isabelino, como Hamlet, Titus Andronicus, dentre outras: a tomada de poder por meio da força bruta, traição, atos de covardia, enfim, o corriqueiro da The Spanish Tragedie. Contudo, não é apenas o reinado sob o qual Shakespeare escreve Macbeth que muda (enquanto boa parte de sua obra foi escrita sob o cetro de Elizabeth I, Macbeth foi concebida sob Jaime I), muda também a ótica shakespeariana. Enquanto as protagonistas das peças citadas são carregadas de uma força moral – é o caso de um Hamlet ou de um Coriolano, este de uma peça homônima – Macbeth e Lear não o são; antes, são personagens de peças barrocas, como afirmou o crítico Otto M. Carpeaux, onde a figura humana não é carregada daquela essência tão boa, difundida no Renascimento. Pelo contrário, as fraquezas dessas personagens por vezes quase sufocam suas pequenas demonstrações de bondade ou de arrependimento.
Aqui cabe, talvez, alguma explicação disto tudo. Destarte, sabe-se que a moral quase que unificadora da baixa idade média – já tida por muitos como decadente – era a oriunda do catolicismo, sintetizada por Santa Tereza D’Ávila quando diz que o homem é por essência santo, mas tal santidade é coberta pelo invólucro da maldade. Tal ideia transbordou a cultura na Europa até desaguar no Renascimento, seguido pelo Barroco, já calcado em outra ideia: o coração, segundo o monge alemão Lutero, é por natureza pecaminoso, mau, mas pode ser revestido, por meio da graça divina, pelo invólucro da bondade. Daí serem os privados da graça divina as verdadeiras figuras do herói maquiavélico (ou do anti-herói), ao invés do bondoso Hamlet.
Mas, e seu início como homem honesto, corajoso, totalmente oposto ao cruel e covarde que se tornará depois, não conta? Terá Macbeth se arrependido no final? Bem, não é o que parece. Mas ao menos abandona a figura vil em que se apoiava, e, mesmo em desvantagem bélica, empunha a espada e diz:
“Não me entrego!/ Não beijarei o pó aos pés do jovem/ Malcom; não ouvirei os arrenegos/ Da canalha. Que embora a Dunsinane/ Haja o bosque de Birnam avaçado,/ E eu te tenha ante mim, hei de bater-me/ Até o último alento. Eis-me coberto/ Com o meu broquel de guerra. Em guarda, pois,/ Macduff, e amaldiçoado o que dos dois/ Gritar primeiro: ‘Basta!’.”
Com isto, basta! Tais influências são bastante perceptíveis ao olhar atento do leitor. Agora, quanto às palavras que precedem as acima reproduzidas – it is a tale/ Told by as idiot... – e o profundo tom de ceticismo que exalam, creio que nos faria exigir o testemunho do próprio Shakespeare para sabermos se é do herói barroco ou se traduz sentimentos do autor. As hipóteses levantadas pela crítica, desde os românticos até hoje, são inúmeras. A escassa documentação sobre a vida pessoal de um autor tão importante como este, no entanto, deixa escapar minúcias, como suas crenças no final da vida, dentre outras.
P.S. Este modesto artigo foi escrito em homenagem a dois grandes intelectuais cujas obras são de vital importância para a cultura brasileira: Manuel Bandeira e Otto Maria Carpeaux.
Por Heber de Oliveira,
São Paulo, Dezembro de 2021.
BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa seleta (em tradução poética de Macbeth). Ed. Nova Aguilar.
CARPEAUX, Otto M. Presenças (em artigo Shakespeare – a condição humana). Ed. Topbooks.
________. Retratos e leituras (em artigo As bruxas e o porteiro). Ed. Topbooks.
1 comentários
ELIEL DE OLIVEIRA
· São Paulo Muito bom! Em 23/01/2022 ás 17h12Heber de Oliveira
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