06/01/2022 às 14h26 - atualizada em 20/01/2022 às 22h08
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Redação
Cotia / SP
A visão estereotipada que a maioria das pessoas parece ter de um escritor é equívoca em supor se tratar de um ser iluminado, diferente das demais pessoas; ente, cuja inspiração, força motriz do seu trabalho, cai do céu numa torrente de êxtase epifânico de lucubrações. Nada disso. A história da literatura diz totalmente o contrário; é o que atestam, por exemplo, os diários e correspondências de escritores como Flaubert e Kafka.
Entre os lusófonos não poderia ser diferente. Fernando Sabino, cuja obra conquistou certo espaço no panorama literário brasileiro, exerceu sempre atividade intensa, e seu trabalho era do tipo que dependia de cinco por cento de inspiração e noventa e cinco por cento de transpiração, disciplina e esforço. As trezentas páginas, afirma o escritor em entrevista, de suas crônicas de viagens, são resultado de outras mil jogadas no lixo – paráfrase minha. Assim, não é de se surpreender que De cabeça para baixo seja um de seus melhores trabalhos.
Mas o trabalho de escritor nem sempre é cercado de glamour. Um acontecimento marcou muito a vida literária de Sabino, sobretudo seu trabalho no jornal. Certa vez, ligou para ele João Guimarães Rosa, escritor eminente e de uma obra muito respeitada; queria saber o que escrevia Sabino naquele momento. Ao que este respondeu estar trabalhando numa adaptação para teatro de uma obra sua já conhecida. Guimarães Rosa então lhe disse: “não faça biscoitos, faça pirâmides”.
Para os que tem certa familiaridade com a obra de Fernando Sabino tais palavras não são desconhecidas, revelando por um período certo ressentimento, principalmente no ofício de cronista, sempre desempenhado com tanta maestria em diversos jornais. Alguns exemplos podem ser encontrados ainda no volume Livro Aberto, que contém uma obra seleta de vários anos, inclusive crônicas escritas com certo rancor do gênero literário.
Retomado o fôlego, foi também revisitada a linha do tempo dos gêneros menores. E o que foram Machado de Assis, Manoel Bandeira e Carlos Drummond senão exímios “padeiros”? Ora, Rubem Braga, ao lado de quem Fernando é também reconhecido por sua obra cronística, é uma das figuras mais brilhantes de nossa literatura e se fez exclusivamente neste gênero. Como afirmou o autor de O Encontro Marcado, “a literatura não se faz apenas de monumentos”, é preciso às vezes, viver ao “rés-do-chão”.
No fim, deu tudo certo e Fernando Sabino levou o conselho do grande escritor mineiro numa boa, lembrando dele até de modo irreverente e jocoso, mas sempre sem amargura. Afinal, a crônica hoje em dia é uma tradição, mais apreciada que cultivada, infelizmente, mas, com uma massa caseira aqui e uma cobertura ali, creio que se farão ainda ótimos confeiteiros em nossa literatura.
Por Heber de Oliveira,
São Paulo, Dezembro de 2021.
CANDIDO, Antonio. Recortes (ensaio “A vida ao rés-do-chão). Ed. Ouro sobre azul.
SABINO, Fernando. De cabeça para baixo. Ed. Record.
_________. No fim dá certo (crônica “Biscoitos & Pirâmides). Ed. Record.
_________. Livro aberto. Ed. Record.
4 comentários
Bianca
· SP SP Meus Parabéns Em 07/01/2022 ás 14h55ALISON SACRAMENTO ATTA
· São Paulo Escreve bem, hein?!. Em 07/01/2022 ás 14h44Jader
· Sorocaba SP Excelente! Escrita de quem domina a literatura. Em 06/01/2022 ás 19h41Bianca
· SP SP ???????? Em 06/01/2022 ás 17h24Heber de Oliveira
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